Quis ficar sozinho.
Os putos de bata branca perceberam, ninguém me ligou nenhuma.
Subi, máquina trémula, filmando os passos com solas ecoando tropel de há muitos anos atrás.
Entrei na sala e chorei, mesmo antes de me ter sentado lá ao fundo.
A sala ajudou, vazia que estava.
Fui sentando um a um, nomes com rosto, outros sem.
Sentei o Édio atrás de mim, como sempre fica um Édio que escolhe a mesma turma de um Dinis.
Desta vez a Dra. Aline não me mandou para a rua, falta de material para não deitar as boas notas borda fora.
Eu sei que os poemas que me apanhou dedicados ao puto que trazia na barriga e fez questão de nos dizer de produção independente, sei que não tinham lá grande graça, mas não persisti e não fui para poeta.
A Dra. Aline tinha aura, já lhe trauteáramos o nome antes dela chegar cara-pálida do puto, acompanhando Christophe.
J'avais dessiné sur le sable / Son doux visage qui me souriait / Puis il a plu sur cette plage / Dans cet orage, elle a disparu / Et j'ai crié, crié, Aline,
Sentei o Amaro da Luz, colega até findar a faculdade, e o Luís*, colega até findar a faculdade e por três anos colega de quarto, em Coimbra, na Emilinha, no prédio do Pigalle, no Lucas.
Sentei a Nô, sempre endiabrada.
Sentei a Virgínia* e a Paula, espreitei pela janela mas não vi o Reitor que mandou chamar o meu pai por partida que fiz às duas, eu julgava que era brincadeira inocente mas era grave.
Não me recordo do castigo, se houve.
Não encontrei as canetas de feltro para pintalgar umas folhas com os desenhos psicadélicos tão ao gosto do “Construssons”.
Sentei a Regina ao meu lado na fila na frente da aula de desenho e zanguei-me com o ensaio de humor falhado do prof. de Desenho. Inacabado:
“Imaginemos que o Dinis era o boi e a Regina era a vaca”.
“E o sotôr era o burro…!”. Tinha mesmo que acabar ali, e eu na rua.
Também havia um padre e uma prof. de Matemática que me deu explicações nas férias de Março do 5.º ano, aulas de príncipe, preparando-me para outras explicações em turba-multa, no Compão. Se não passasse a Matemática não dispensava dos exames, e lá dispensei.
Não me lembro de vintes nas pautas, nem dezanoves, se calhar dezoitos. Mas que fossem dezassetes e valiam tanto como os catorzes, porque era com 14 que dispensávamos dos exames, dispensar era o máximo e só isso interessava.
O Gilberto e o João Acúrcio chegaram atrasados, mas deixei-os entrar. Ao Valdez também.
Junto ao quadro negro vi a professora do boca-de-sapo que um aluno qualquer roubou por umas horas para ir à inauguração da fábrica da Coca-Cola, lá junto às salinas que eram junto ao meu bairro e que nos salgavam de dor berrante as feridas quando caíamos a jogar futebol.
O nome já não tenho comigo, mas sei que era uma Senhora, que nos desabafou a sua tristeza porque não era preciso roubar o carro, se ele lho tivesse pedido, ela emprestava-lho sem hesitar.
Sentei a Carmo, depois a Mila, que mesmo sendo muito bonita e da Restinga, me escolheu para seu par no Baile de Finalistas.
Também já não tenho comigo o nome do puto traquina que pôs o Lobito em polvorosa com partida que pregou em programa de concursos do Jorge Perestrelo* no Rádio Clube do Lobito.
Acho que o encontrei há anos em Arganil, quando acompanhava uma acção de campanha de Pedro Santana Lopes.
Ele ligava para casa das pessoas, fazia uma pergunta simples para todos ganharem geladeiras e mais prémios bons. Quando o Jorge viu fila imensa de “ouvintes” à porta do Rádio Clube, veio ao microfone enviar mensagem cifrada, que só descodificámos quando o puto apareceu de cabeça rapada no LALA. Castigo do pai, mas ele jurava que havia de continuar a mangar com a malta.
Invejei-o e ao longo da vida prestei-lhe algumas homenagens, imitando-o.
Ouvi as V5 frenéticas, vi o carrinho dos sorvetes lá fora e umas Mini-Hondas a mandar banga.
Pai, prometeste-me uma se eu dispensasse no 5.º e não ma deste. Mas eu gosto na mesma muito de ti.
*in memoriam
Lobito, 15 de Outubro de 2013, 38 anos depois.
Dinis Manuel Alves frequentou o LALA entre 1971 e 1975 (3.º ao 7.º ano).